Amor e ódio
Os
raios de sol invadem a taberna por frestas que rasgam o ar iluminado corpos
esquecidos de homens, mulheres, humanos e mestiços que a pouco bebiam e
comemoravam. Mas calma, embora não pareça, eles estão vivos, pelo menos por
hora. No meio desse manancial de todas estas carcaças estão Minus e seus
companheiros. Pig ronca muito alto assim como alguns outros.
Kalays
desce as escadas que dão acesso aos aposentos no andar superior e vai a cozinha
esforçando-se para não pisotear ninguém, quando...
-
Kalays-syr? Kalays-syr? – Um garoto pequeno e franzino
chegou perguntando por Kalays. Essa terminação “syr” é usada pelos mais jovens quando chamam pelos mais velhos ou
quando querem demonstrar respeito.
-
Simon? O que houve?
-
Meu pai pediu para que eu viesse chamar por syr
para que o ajudasse em uma dúvida na obra.
Kalays
larga as louças que estavam em suas mãos e vai acompanhado pelo menino.
Chegando a obra logo é recebido pelo pai do garoto.
-
Oh! Que bom que pode vir Kalays-syr.
Veja. – Aponta para uma viga que está sustentada por duas colunas no meio da
obra, mas uma das colunas está rachada.
-
Sim. Tem papel e grafite? – O homem logo providenciou papel de fibra de morus e
um pedaço de grafite em forma de lápis. – Qual o cumprimento da coluna?
-
Dois metros e 30cm de diâmetro.
-
É cimento de areia?
-
Sim.
-
Bom. Pelos meus cálculos para o peso médio dessa laje ela deveria ter, pelo
menos, 50cm de diâmetro.
-
Então vou ter que refazer?
-
Infelizmente, sim.
-
De qualquer forma eu agradeço, syr.
-
Certo. Se precisar de algo pode me chamar.
-
Agradeço.
Na
volta para a taberna ele percebe uma menininha, de pele e cabelos tão escuros
que refletiam a luz do sol, parada olhando para a árvore que é a única vizinha
da taberna de Kalays.
-
O que foi?
-
Meu gatinho. – Apontou para o animal marrom e branco que estava em um galho.
-
Eu não consigo subir lá, mas tenho uma ideia. – Logo ele volta com uma tigela
de barro com leite e coloca no chão. – Chame-o.
-
Mimih! Mimih! – Gato meche as orelhas, cheia o ar e logo desce direto para a
tigela começando a tomar linguadas de leite como se não comesse a dias.
-
Obrigada, syr.
-
Cuide dela.
Ele
entra e vai direto para a cozinha, mas percebe que Minus não está mais onde
estava. Olha em volta e não o vê. Dá de ombros e volta a lavar as louças.
Eu
sei onde ele está. Vamos subir as escadas e passar por esse corredor. Essa
taberna parece bem maior por dentro, não é? Ali! Não vamos entrar, apenas vamos
olhar pela porta entre aberta. Minus ainda não acordou, mas há uma mulher
deitada com ele. Tem cabelos vermelhos e sardas no rosto. Abre os olhos e vemos
seus olhos de um verde intenso. Ela tem um rosto muito belo.
Podemos
ver em seus olhos duas crianças brincando na floresta. A menina cai e machuca o
dedo do pé. O menino de pele marrom corre para buscar água e colocar em seu
ferimento. Ele faz isso três vezes e ela fica tão feliz pelo que ele está
fazendo que nem sente mais dor e mesmo assim observa enquanto ele cuida dela.
-
Querido. Hora de acordar. Os pássaros já estão cantando.
-
....
-
Querido? Querido?! – Ela estapeia Minus no rosto fracamente, mas logo muda de
feição e acerta uma forte esbofeteada no rosto dele que acaba acordando
atordoado.
-
Ah! An? O que faço aqui?
-
Você dormiu aqui.
-
Não. Eu lembro... Mais ou menos de ontem e... Não.
-
Tudo bem...
-
Karlayne? É você?
-
Sim. Que bom que voltou. Pensei que estivesse morto. Pode imaginar o quanto
chorei. O quanto esperei por você por todo esse tempo?
-
Desculpa. – Ele diz levantando da cama. Percebe que está nu então pega toalha
que está sobre a cômoda e tenta cobrir o resto de seu corpo bem definido com as
mãos. – Mas...
-
Venha para a cama. – Ela tenta parece o mais sensual possível se contorcendo
levemente sobre os lenções de seda cor-de-creme para convencê-lo. Sua perna
forte mostra sua pele branca e com pequenas manchas de sardas o que parece
chamar atenção de Minus já que sua pupila dilata.
-
Karlayne. Acredite. Não é que eu não queira. Estou metido em coisas perigosas e
vai piorar ainda mais então... – Ele para de falar ao ver o rosto dela triste.
Olha novamente todo seu corpo dos pés ao rosto e... – Ah! Que seja! – Ele deita
na cama e começa a beijar a boca da mulher. Sei o que está pensando, mas não
podemos mais ficar aqui. Ética. Espero que
entenda. Mas isso não impede você de imaginar nada. Faça o que quiser.
Vamos
descer as escadas novamente e ver se algo mudou. Parece que não. Todos ainda
estão dormindo e ficam assim por mais de uma hora até que começam a acordar
como zumbis em um filme de terror. Alguns permanecem sentados olhando para o
nada como meio acordados e meio dormindo. Outros levantam-se e voltam para as
suas casas. Pig levanta-se reclamando de dores no pescoço, Zorf continua
dormindo e... Só agora percebi que N não estava aqui. Agora que ele entra pela
porta vindo de “não sei aonde”. Nesse momento Minus desce as escadas e Kalays
lança-o um olhar que o faz ficar envergonhado. Ele sorri, mas não comenta nada.
-
Que bom que acordaram! Precisamos ir ao mercado fazer algumas compras e quero
que me ajudem pois são muitas coisas. O que acham.
-
Claro que sim. – Pig responde pelo grupo ainda lutando para abrir os olhos.
Depois
que Argonis também se encontra acordado, eles se trocam de roupa. Minus
finalmente encontra algo para vestir além daquelas mantas de nômades e agora veste
um camisa e calças velhas de algum bêbado que havia deixado no bar. Os quatro
caminham um pouco até chegar a entrada do mercado. Então podemos ver várias
lojas de barracas de trocas com alimentos, metais, artesanato, músicos tocando
os mais diversos instrumentos, desde alaúdes à antigos kotos japoneses. Como
não há uma moeda nos Cinco Reinos tudo é comercializado por trocas, mas a
população não necessita obrigatoriamente do que se ganha aqui já que parte do
que é dado de contribuição a coroa é revestido em serviços para todo os
cidadãos dos Cinco Reinos. Como a segurança feita no investimento dos exércitos
e inclusive alguns privilégios de cada classe. Por exemplo, observe aquele
automóvel muito rústico movido a carvão. Ele foi inventado a menos de cinco
anos e logo se tornou algo imprescindível aos comerciantes que hoje recebem por
uma pequena contribuição a mais, feita de uma de uma única vez, à coroa. Ou
seja, todo cidadão mercador tem o direito de ter um automóvel. A maioria da
população concorda e apoia essa ideia. Muitos incentivam que sejam poucos
automóveis porque acreditam que a fumaça negra que eles soltam possa ser
prejudicial e por isso eles ficam restritos somente a essa classe.
Eles
caminham de loja em loja e Minus fica maravilha com aquele aglomerado de
pessoas. Havia ficado impressionado no bar, mas ali havia uma proporção muito
maior. Não demorou para o que era animação se tornar incômodo. Não pelo barulho
pois ninguém ali competia para vender mais, nem pelas pessoas que vez por outra
esbarravam nele, mas era como uma sensação de que aquela multidão de alguma
forma esmagava ele aos poucos. Ficou feliz quando finalmente acabaram as
compras e estavam a caminho da taberna.
Ao
longe viram Karlayne correndo em sua direção com sua silhueta de quadris largos
e cintura fina. A princípio pensavam que ela vinha correndo feliz por vê-los
mas logo viram seu semblante de desespero.
-
A Taberna! Está pegando fogo!
Os
três correram rápido deixando Kalays para trás que ao chegar caiu de joelhos
sem ação. Minus, N, Zorf, Argonis e outros ajudavam as pessoas que ainda
estavam lá dentro a sair. Parte do teto desaba e nem todos que estavam lá foram
resgatados ainda. Kalays permanece de joelhos, mas começa a rezar.
-
Vamos Kalays. Isso não vai ajudar agora. Precisamos apagar esse fogo rápido.
-
Estou cuidado disso. - E volta a rezar. – Sete Deuses, por sua imensa sabedoria
e benevolência me amparem nesse momento de aflição. E logo começam a chegar
outras pessoas vizinhas com baldes de água. E chama cada vez mais como se
viessem de todos os cantos e logo o jogo é apagado.
Minus
fica estarrecido ao ver que a atitude de Kalays pode estar ligada a aparição de
tantas pessoas para ajudar. Por sorte muitos são resgatados com poucos
ferimentos e não se ouve falar com pessoas mortas ou desaparecidas.
-
Quem poderia ter feito isso? – Pig pergunta à Kalays na presença de Minus e
Zorf.
-
O rei? – Zorf pergunta.
-
Quem sabe? – Responde, Kalays. – O importante é que todos estamos bem. Graças
aos Sete Deuses.